quarta-feira, 18 de maio de 2016

A política editorial do Facebook por Helio Gurovitz


 Quando, no ano passado, um juiz tirou o WhatsApp do ar pela primeira vez no Brasil, o bilionário Mark Zuckerberg (foto), do Facebook, fez um dura condenação ao nosso governo em sua página pessoal na rede social. Depois de admoestado pelo Palácio do Planalto, Zuckerberg voltou atrás e até mesmo pediu desculpas. Condenou o ato do juiz, mas não o governo brasileiro.

Poderia ter sido apenas mais uma confusão em que um estrangeiro é incapaz de entender como o Brasil funciona. Mas o caso revela algo mais importante sobre a natureza do Facebook. O próprio criador parece não ser capaz de entender a natureza de sua criatura. Nada havia de errado no post de Zuckerberg, era apenas uma opinião. Quando o dono de uma empresa de comunicação cede à pressão de algum governo – qualquer governo – e muda sua própria opinião para não pegar mal, não há credibilidade que resista.

Alguma dúvida de que o Facebook é uma empresa de comunicação ou, para usar o termo popular, de mídia? Pouco importa que ele não desenvolva conteúdo e viva de distribuir o alheio. Seu modelo de negócios é atrair audiência para vender publicidade. Sem investir em um único repórter, tornou-se o principal distribuidor de notícias em alguns países – nos Estados Unidos, 63% da população o usam para obtê-las. Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a essência editorial do negócio do Facebook, isso ficou claro na semana passada, com a celeuma provocada por uma reportagem do site Gizmodo.

O Gizmodo revelou dois fatos surpreendentes. Primeiro, a edição dos tópicos mais populares (ou “trending topics”) é realizada não apenas por um software automático, mas com a ajuda de uma equipe de editores humanos. Segundo, diz a reportagem, há entre tais editores um “viés esquerdista”, que os leva a suprimir sistematicamente conteúdos de sites considerados “conservadores”.

O Facebook é o principal difusor da mitologia, frequente entre as empresas do Vale do Silício, segundo a qual algoritmos são capazes de substituir o trabalho braçal dos editores. A expectativa dos usuários é que tais algoritmos sejam mais isentos e menos propensos a preferências políticas ou ideológicas que os seres humanos. Criou-se uma imagem de neutralidade na escolha das notícias veiculadas pela rede social, que dizia adotar critérios baseados exclusivamente nas preferências dos próprios usuários.

A revelação de que há intervenção editorial humana, como em qualquer jornal ou revista, caiu como uma bomba em plena campanha eleitoral americana e fez desmoronar tal imagem. Zuckerberg foi atacado em carta aberta e chamado a ir ao Senado. Deverá se encontrar amanhã com figuras preeminentes do universo conservador americano, como o comentarista Glenn Beck. O executivo Tom Stocky veio a público dar explicações. Reconheceu num post a existência da equipe de editores, mas desmentiu que haja algum tipo de viés anti-conservador. As palavras de Stocky surtiram pouco efeito.

Uma segunda reportagem, publicada pelo jornal The Guardian, mostrou a extensão da intervenção humana na edição do Facebook e revelou uma espécie de “manual de redação”, em tudo similar ao usado em várias empresas jornalísticas, além de uma lista das fontesusadas pelo Facebook para determinar os tópicos mais acessados. 

É verdade que não há na documentação nenhuma diretriz explícita que determine a supressão de conteúdos de uma certa tendência política. Mas há uma enorme latitude para que os editores tomem decisões segundo suas preferências pessoais, não os interesses do usuário. Uma empresa de jornalismo profissional usa várias instâncias de controle, códigos de ética e princípios editoriais para evitar esse tipo de influência. O resultado é sempre imperfeito, mas o problema não é escondido sob o pretexto de que as decisões são tomadas por algoritmos.

Em princípio, nada há de errado se o Facebook publicar ou promover apenas o conteúdo que quiser. É absolutamente lícito que adote uma orientação de esquerda, desde que faça isso de modo transparente. É a liberdade de imprensa – e não qualquer mitologia californiana – que lhe garante esse direito. Do ponto de vista político, não há nenhuma diferença se escolhas editoriais são feitas automaticamente por software ou por meio de edição manual. O fato de existir um algoritmo não significa que ele seja nem mais nem menos isento que qualquer editor. Programadores também são humanos.

O erro está justamente em achar o contrário. Está em imaginar que, apenas por estar no Vale do Silício, uma empresa está naturalmente imune às vicissitudes que afetam seu negócio. Está em acreditar na balela segundo a qual Facebook e Google não são empresas de mídia, mas apenas desenvolvedores de tecnologia e provedores de serviços aos internautas – claro que também são isso, mas não só. Parte da essência do negócio de comunicação é a preocupação com a orientação ideológica e a transparência a respeito da tomada de decisões editoriais.

Para o Facebook, a questão é mais complexa que para um jornal ou revista, pois a empresa  domina a distribuição, em parte graças à imagem de neutralidade, garantida pelo fato de não produzir conteúdo. Em sua mais recente investida no mundo da comunicação, o Facebook Live, todos os vídeos são produzidos por parceiros, muitos deles remunerados por isso. O Facebook os promove com prioridade maior que a concedida a vídeos gerados por outros produtores ou veiculados em outras plataformas.

Novamente, não há nenhum problema nisso. Trata-se de uma decisão legítima do ponto de vista do negócio – mas é uma decisão editorial que, como toda decisão editorial, pode comprometer a tal imagem de neutralidade. “O Facebook brinca de editor todo o tempo – é só que não reconhecemos isso, porque a influência editorial se dá de outras formas do que teria numa organização de imprensa tradicional”, escreveu Vauhini Vara na New Yorker.

Não adianta querer subverter o modelo de negócio da imprensa apenas na hora de ganhar dinheiro com anúncios. É preciso também arcar com todos os custos e responsabilidades essenciais a ele, como independência política, equilíbrio editorial e a importância de não ceder a pressões de atores prejudicados pelos conteúdos jornalísticos. Tudo isso é muito mais relevante para o futuro da comunicação do que qualquer algoritmo. E evidentemente, como ficou claro no caso do WhatsApp no Brasil, Zuckerberg jamais entendeu nada disso.

fonte: http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/politica-editorial-do-facebook.html





Nenhum comentário:

Postar um comentário