terça-feira, 30 de junho de 2015

As universidades estão formando ativistas e não acadêmicos, alertam especialistas




Tradicionalmente recomendados aos seus alunos durante as férias de verão, osBeach Books (Livros de Praia, numa tradução livre) são livros escolhidos pelas universidades dos Estados Unidos como uma extensão do conteúdo das salas de aulas aos alunos da graduação. Nos últimos anos, mais de 300 universidades tem participado da tradição, mas uma mudança no perfil das obras selecionadas vem chamando a atenção de docentes do país.
Desde de 2010, o número de livros considerados clássicos despencou da lista de sugestões das universidades. Tais clássicos vem dando lugar para livros sobre temas que “os alunos estão mais interessados”, conforme afirma Ashley Thorne, diretora executiva da Associação Nacional de Acadêmicos (NAS, na sigla original), dos Estados Unidos. A NAS vem compilando as sugestões dadas pelas universidades a seus pupilos e concluiu que alguns temas vem predominando sobre os clássicos da literatura: ambientalismo, direitos dos animais, guerras, racismo, imigração, ativismo social e até autoajuda aparecem na frente na lista de escolhas dos centros acadêmicos.
O problema é que a escolha de livros cada vez mais ligados à temas mais próximos das preferências dos alunos está ignorando obras clássicas e não está sendo bem feita: um exemplo é o livroThree Cups of Tea, constatado como fraudulento e mentiroso, figurando entre esses Beach Books.

Para Thorne, existem três razões para essa escolha de livros mais atuais, – das mais de 300 universidades, apenas 15 escolheram obras publicadas antes de 1990 – frente aos já aclamados clássicos.
“Primeiramente, eles dizem que livros antigos são irrelevantes. As faculdades falham em ver as noções obsoletas de casamento (por exemplo, Anna Karenina), conflitos de classe (A Tale of Two Cities), moralidade pessoal (Jane Eyre) ou escravidão (Huckleberry Finn). Os livros de leitura comum estão sendo designados para moldar as atitudes dos alunos em debates atuais”, escreve.
Thorne acredita que essa incessante busca das instituições por moldarem debates entre seus alunos está deixando de incentivá-los a compreenderem o mundo contemporâneo com base no passado, para formar ativistas: algumas faculdades já recomendam biografias de ativistas, famosos ou desconhecidos, para seus alunos.
Outras razões – ela acrescenta – é a acessibilidade, já que muitos dos alunos queixam-se de que livros mais antigos são “muito difíceis”, e o fato de os clássicos já terem muito destaque, o que, na visão de alguns docentes, tira o brilho de obras mais novas.
Para Christopher Eisgruber, presidente da Universidade de Princeton, o motivo de livros menos conhecidos estarem ganhando destaque em suas listas de recomendações é justamente o terceiro motivo apontado pelo diretor executivo da NAS: o destaque deles. Eisgruber argumenta que os livros devem estimular os alunos a discutirem mais sobre seu conteúdo, em vez de levar a uma “veneração” da obra, como acontece com os livros mais famosos.
Mas Thorne discorda dessas prerrogativas.
“[Eles] nunca levam em conta que os livros se tornaram clássicos porque as pessoas discutiram sobre eles por um longo tempo.”
Segundo ela, as universidades também tem privilegiado livros mais novos e de temas que estimulem debates porque seus autores estão disponíveis para participarem de palestras e outros eventos no campus.
Rebecca Skloot, autora de A Vida Imortal de Herietta Lacks, por exemplo, foi chamada para palestrar em mais de 150 faculdades, universidades e escolas desde o lançamento de seu bestseller. Como já era de se esperar, seu livro é um dos Beach Books mais famosos entre os alunos de graduação: desde 2013, já foi recomendado por 44 universidades norte-americanas.
Para a NAS, está se formando um mercado em torno de autores de livros comuns nessas universidades.

Com forte apelo entre alunos e professores, esses autores estão sendo cada vez mais chamados para palestrarem dentro das instituições e têm cobrado cifras altíssimas, – uma palestra pode chegar a custar mais de 14 mil dólares – fazendo disso uma carreira e uma forma de lucrar mais uma vez em cima dos livros já vendidos.
Para a NAS, o último relatório deixa bem claro que as universidades estão trocando seus papéis, deixando a formação acadêmica de lado para focar-se no engajamento político e em outras formas de ativismo, promovendo debates que não se relacionam exatamente à formação acadêmica de seus alunos.
Só no último ano, 38% das instituições escolheram livros que falam diretamente sobre ativismo social. E entre as outras universidades, pautas de movimentos ativistas também estão presentes (direitos dos animais, espiritualidade, genocídios e homossexualidade). Até mesmo livros sobre os atentados de 11 de Setembro e o Furacão Katrina foram recomendados.
Thorne finaliza contando a história de alguns alunos que tiveram contato com as obras clássicas pela primeira vez depois que entraram na universidade, os mesmo livros considerados “difíceis” pelas instituições.
“A leitura abriu um mundo novo para mim. Fico feliz em saber que finalmente pude ser introduzido a esse mundo”, contou um deles, após participar das aulas de introdução à literatura.
“Lemos a Lisístrata, de Aristófanes. Lemos Safo. Nós sentimos como se tivéssemos descoberto um tesouro abandonado pela geração passada. Os outros alunos que tiveram com eles pareceram ter reações parecidas com as que eu tive. Nós sentimos como se tivéssemos perdido algo essencial por não termos sido expostos a esses trabalhos antes”, afirma Joshua Converse. Após ler Ilíada, ele conta que se recordou do período em que serviu o exército norte-americano no Oriente Médio: “esse poema não é só sobre a Guerra de Troia, mas também sobre a humanidade e a guerra, talvez se aplique à qualquer guerra. Talvez seja sobre todas as guerras.”
“Os alunos hoje têm acesso à uma grande variedade de cursos, mas um único curso não deve ser o único com ferramentas de integração intelectual, [deve existir] um meio para que esses alunos possam ler as mesmas coisas e assim, formarem uma única comunidade intelectual.E para construir essa comunidade, você precisa de bons ‘tijolos’”, conclui a diretora executiva.
No Brasil, apesar da escassez de informações, é notório que o cenário não é muito diferente. Discutir assuntos que são tabus para o progresso da humanidade é fundamental, mas até que ponto ter o ativismo como protagonista do ensino atrapalha a formação do acadêmico? Talvez só o futuro diga.

fonte: http://spotniks.com/universidades-estao-formando-ativistas-e-nao-academicos-alertam-especialistas/

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